domingo, 24 de outubro de 2010

Tudo Azul (Kabluey)

Já ouviu falar de Scott Prendergast? Não? Então, ainda vai. O cara tem talento pelo que vi em seu longa de estréia, o filme Tudo Azul (Kabluey, 2007) que está em cartaz no Telecine Premium (TV a cabo). Scott Prendergast escreveu, dirigiu e atuou. 
Leslie (Lisa Kudrow) enfrenta sozinha o medo, a solidão e a barra de criar dois filhos enquanto seu marido está combatendo no Iraque. Os meninos são um caso para a Super Nanny: agressivos, irriquietos, arredios. Leslie não conta com ninguém para ajudá-la e vive com pouco dinheiro.  Sua sogra sugere seu cunhado (Salman), esquisito e loser, com quem Leslie não tem contato desde o próprio casamento. Salman vive de subemprego em subemprego, sem eira nem beira, sem casa. Leslie  propõe, então, que ele more em sua casa em troca de cuidar dos meninos. Pobre Salman... As cenas de sua chegada e as tentativas de lidar com uma Leslie alienada às necessidades da casa e dos filhos e com os meninos endiabrados despertam um misto de riso e aflição. Impossível não se solidarizar com a pobre "babá". Obviamente  o esquema não funciona, mas Salman sequer pode ir embora. Ele não tem pra onde ir.  Leslie arruma um emprego para que ele possa ajudá-la a pagar uma escola integral para os meninos e ficar um pouco mais até poder se ajeitar.
O emprego é um tortura humilhante: vestir a fantasia de um boneco azul, sem mãos, com uma cabela gigante e pesada, sem olhos, sem boca. Ele deve passar o dia sob o sol escaldante numa estrada deserta, distribuindo panfletos para o aluguel de salas no prédio sem vida aos poucos que passarem por ali. A partir disso, Salman conhece alguns dos moradores do lugar. A fantasia ao mesmo tempo que substitui a figura humana de seu usuário, torna-se uma personagem querida por crianças ou odiada pelo que simboliza (a perda, a falência). Interessante observar como as pessoas esquecem que há um ser humano dentro da imensa roupa azul, que ouve as conversas ao seu redor, que flagra erros escondidos. Salman, o loser, o esquisito, o invisível passa a ser alguém justamente quando assume uma forma não humana. E as crianças se encantam com o boneco. Atenção para a cena em que ele vai animar uma festa infantil e encontra com seus sobrinhos por lá, sob a fantasia. Muito tocante.
O filme traz surpresas nas histórias paralelas que se revelam durante a trama, com humor e sensibilidade. A invisibilidade do outro, do próximo que fingimos não ver é um tema trazido para reflexão, assim como a falta de amizade, de amparo e de amor e seu poder corrosivo em nossas vidas.
Quem é o herói em nossa sociedade? O militar que deixa sua familia para arriscar-se por uma causa inexistente e equivocada ou o rapaz desprezado por todos, mas que se empenha em olhar e amparar meninos negligenciados? Que luta para manter a família do irmão herói de uma guerra distante?
Não quero dar spoiler aqui. O filme traz muito para se pensar nesta estrada deserta e quente, sufocante que todos trilhamos com os ruídos valores atuais. 
Se tiver chance assista. De minha parte só digo uma coisa: aguardo ansiosa o próximo projeto de Scott Prendergast!


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